Sensibilidade auditiva humana moldada pelo sexo e ambiente

sensibilidade auditiva

Escrito por Sigla Educacional

7 de agosto de 2025

Entre o som e o mundo: como sexo e ambiente moldam a sensibilidade auditiva humana

O artigo intitulado “Sex and environment shape cochlear sensitivity in human populations worldwide”, publicado na revista Scientific Reports em março de 2025 por Balaresque e colaboradores, apresenta uma investigação robusta e inovadora sobre a forma como fatores biológicos, em especial o sexo, e variáveis ambientais interagem para moldar a sensibilidade auditiva humana. Por meio de uma abordagem multidisciplinar, o estudo lança luz sobre as complexas relações entre o funcionamento sensorial coclear e o contexto geográfico e ecológico em que os indivíduos estão inseridos, enfatizando que a audição não pode ser compreendida apenas a partir de uma perspectiva biológica isolada, mas como um fenômeno dinâmico influenciado também por aspectos culturais, climáticos e ambientais.

A pesquisa se destacou pela abrangência da amostra, que incluiu dados auditivos de populações distribuídas por diferentes continentes e condições ecológicas diversas. Para mensurar a sensibilidade coclear, os autores utilizaram as emissões otoacústicas evocadas por estímulo transitório (TEOAE), uma técnica não invasiva que avalia a resposta das células ciliadas externas da cóclea. Essas respostas foram registradas em indivíduos do sexo masculino e feminino, possibilitando a comparação intersexual, além de permitir uma análise geográfica comparativa em função das características ambientais locais, como temperatura, altitude, exposição ao ruído, poluição e até mesmo a urbanização.

Os resultados revelaram que mulheres apresentaram, de forma consistente, maiores amplitudes nas emissões cocleares quando comparadas aos homens, confirmando achados anteriores da literatura, mas agora reforçados por um banco de dados de escala global. Esse padrão sugere que o dimorfismo sexual na função auditiva é um fenômeno universal, possivelmente relacionado a diferenças hormonais, anatômicas ou genéticas. No entanto, o grande diferencial do estudo foi mostrar que esse padrão pode ser modulado por fatores ambientais: em regiões mais poluídas, com maior exposição a ruídos ou em climas extremos, a sensibilidade coclear se mostrou diminuída em ambos os sexos, ainda que as mulheres mantivessem respostas auditivas ligeiramente superiores.

A análise estatística sofisticada permitiu aos autores isolar os efeitos de variáveis ambientais específicas, como a latitude, a densidade populacional e a temperatura média anual, indicando que populações expostas a ambientes mais severos apresentaram menor amplitude nas TEOAE. Além disso, observou-se uma interação entre sexo e ambiente: a diferença entre homens e mulheres variava conforme o local de origem dos participantes, o que sugere que o meio ambiente pode atenuar ou acentuar a sensibilidade auditiva de acordo com o sexo. Essa interação complexa aponta para uma plasticidade auditiva modulada não apenas por fatores biológicos, mas também pela adaptação ao ambiente sonoro ao longo da vida.

O estudo, portanto, fornece uma nova perspectiva sobre a audição humana, ressaltando a importância de considerar aspectos ecológicos e socioculturais em pesquisas sensoriais. Ao articular dados auditivos com características geográficas e ambientais, Balaresque et al. contribuem para a construção de um modelo mais abrangente de saúde auditiva, que pode influenciar diretamente práticas clínicas, políticas públicas de prevenção à perda auditiva e protocolos de triagem auditiva neonatal e escolar. Os achados também têm implicações na antropologia biológica, pois sugerem que a audição, como outras funções sensoriais, pode ter sido moldada por pressões seletivas ambientais ao longo da evolução humana.

Apesar da relevância dos resultados, os autores reconhecem algumas limitações, como a dificuldade de distinguir quais componentes ambientais atuam de forma mais direta na função coclear, dada a complexidade e interdependência entre fatores como ruído urbano, poluição do ar, dieta e nível socioeconômico. Além disso, o estudo é observacional e, portanto, não permite afirmar relações de causalidade. Ainda assim, os dados apresentados lançam bases sólidas para futuras pesquisas que busquem explorar com maior profundidade os mecanismos biológicos e ambientais que influenciam a sensibilidade auditiva.

Em síntese, o artigo representa um avanço significativo na compreensão da variabilidade auditiva entre populações humanas, mostrando que a sensibilidade coclear é influenciada por uma teia de fatores interligados que incluem o sexo biológico e o ambiente sonoro e ecológico em que o indivíduo vive. Tal abordagem amplia os horizontes da ciência auditiva, abrindo novas possibilidades para investigações futuras e para a formulação de estratégias mais eficazes de proteção e promoção da saúde auditiva em diferentes contextos populacionais.

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