Gagueira: o que é motor, o que é linguagem?

gagueira

Escrito por Sigla Educacional

7 de maio de 2025

Gagueira: o que é motor, o que é linguagem?

A revista CoDAS, n o volume 37 (1) • 2025 publicou o artigo intitulado Explorando a natureza da gagueira por meio de um programa de intervenção de neuromodulação comportamental em bilíngues com gagueira (tradução livre) com o objetivo de investigar a natureza da gagueira controlando experimentalmente a linguagem do tratamento em BWS

Décadas de pesquisa sobre a gagueira têm investigado se suas disfluências derivam de déficits motores ou linguísticos. Evidências de neuroimagem revelam alterações sutis nas áreas motoras da fala em pessoas que gaguejam, como redução na ativação do hemisfério esquerdo e aumento na atividade do hemisfério direito. Essas anomalias incluem regiões como a área motora suplementar e o córtex frontal inferior, sugerindo dificuldades na iniciação e coordenação motora da fala, o que contribuiria para as disfluências observadas na gagueira.

Entretanto, há também evidências de que fatores linguísticos influenciam a manifestação da gagueira. Estudos apontam déficits no planejamento linguístico e na memória de trabalho fonológica, com dificuldades em reter e reproduzir sequências fonológicas. Anomalias nas regiões cerebrais responsáveis pela linguagem reforçam a hipótese de que, embora a gagueira se manifeste motoramente, sua origem pode ser, ao menos em parte, linguística. Assim, os dados sugerem uma interação entre déficits motores e linguísticos na gênese da gagueira.

Pesquisas com bilíngues que gaguejam indicam que fatores como proficiência linguística, domínio da língua e prática motora influenciam a generalização dos efeitos do tratamento entre idiomas. Estudos mostram que intervenções em uma língua podem reduzir a gagueira também na outra, mesmo sem treinamento explícito. Contudo, a ausência de controle experimental rigoroso sobre a escolha da língua de tratamento e a aplicação espontânea das técnicas em línguas não tratadas limitam as conclusões sobre os mecanismos responsáveis por essa transferência, deixando em aberto se a generalização se deve a fatores motores, linguísticos ou ambos.

Foi conduzido um ensaio clínico randomizado com 16 bilíngues canarês-inglês diagnosticados com gagueira, divididos em dois grupos: um recebeu tratamento com tDCS e intervenção comportamental na língua dominante, e o outro, na língua não dominante. Os participantes, com média de 21 anos, foram selecionados entre 89 avaliados em um hospital terciário. A classificação da dominância linguística foi feita com base em autorrelato validado, e todos foram expostos às duas línguas antes dos sete anos.

No início do estudo, os dois grupos apresentavam características semelhantes, como idade e histórico de exposição às línguas, sem diferenças estatisticamente significativas. A porcentagem de sílabas gaguejadas (%SS) diminuiu em ambos os grupos, tanto na língua dominante quanto na não dominante, sugerindo melhora geral com a intervenção.

Este estudo investigou a natureza motora e linguística da gagueira em bilíngues com gagueira de baixa sensibilidade, controlando experimentalmente a língua usada no tratamento. A estimulação com tDCS foi aplicada no córtex frontal inferior esquerdo, uma área associada a padrões neurais anormais em pessoas que gaguejam. A combinação dessa estimulação com tarefas comportamentais resultou em melhora significativa da fluência em ambas as línguas faladas pelos participantes, independentemente da língua utilizada no tratamento.

Os achados mostraram uma redução das disfluências tanto na língua tratada quanto na não tratada, indicando uma generalização bidirecional dos efeitos da intervenção. Essa evidência reforça a hipótese de que a gagueira tem uma base predominantemente motora, relacionada a déficits nas áreas motoras esquerdas do cérebro. Fatores linguísticos como dominância e similaridade estrutural entre línguas, frequentemente citados em estudos anteriores, não explicaram a generalização observada no presente experimento.

As línguas faladas pelos participantes (canarês e inglês) são estrutural e linguisticamente distintas, o que descarta a similaridade linguística como fator determinante na transferência dos ganhos. Além disso, mesmo com o controle da dominância linguística, os efeitos do tratamento se generalizaram para a língua não tratada. Isso sugere que fatores motores têm papel central na melhora da fluência, independentemente do idioma em que o tratamento é realizado.

Este trecho discute a possível influência da prática involuntária de técnicas de fala aprendidas em uma língua sobre a fluência em outra, o que pode afetar a avaliação da generalização interlinguística no tratamento da gagueira em bilíngues. Embora os participantes não tenham sido orientados a aplicar as estratégias fora do contexto clínico, é possível que o tenham feito de forma espontânea, dificultando a atribuição dos efeitos apenas ao idioma tratado.

As técnicas usadas no estudo (fala coral e com metrônomo) geram efeitos temporários na fluência, mas, quando combinadas com tDCS, podem produzir mudanças duradouras nas redes neurais da fala, especialmente no córtex frontal inferior esquerdo — uma área associada à gagueira em estudos de neuroimagem. A estimulação dessa região (ponto FC5) pode ter ajudado a normalizar a ativação neural, melhorando a fluência de forma geral.

No geral, os achados mostram que a melhora da fluência ocorreu independentemente da língua tratada, sugerindo que fatores motores têm um papel mais relevante do que fatores linguísticos. No entanto, o estudo apresenta limitações, como a variação na gravidade da gagueira entre os participantes, o que pode ter influenciado os resultados e reduz a possibilidade de generalizações amplas.

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